à medida que a luz da caverna se apaga,
o ténue breu esfumado do exterior descobre faces conhecidas,
sorrisos disfarçados, de olhos brilhantes
presos por grilhões, seguram chaves.
mas quem quer partir.
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e por entre dois arbustos espreitavam olhos curiosos, olhos penetrantes; reflectidos por entre as negras lentas dos óculos, já velhos, fitavam cada vez mais atentamente.
pelas aberturas das nuvens voavam gaivotas, pelas rochas trepavam chinelos não muito ágeis.
baixou os óculos, acendeu um cigarro suavemente.
as gaivotas voavam, o mar oscilava, o sol longe do olho da tormenta, invisível.
-lembro-me como se de hoje se tratasse.
sorriu. não um sorriso vitorioso, ou nostálgico. melancólico seria demasiado comprometido, apático seria demasiado frio.
e de facto lembrava-se.
não teria de se sentar, não teria de cofiar a barba em busca de apimentar a narrativa, não teria de fitar o negro dos óculos do desconhecido, o brilho do seu cigarro.
estaria a anoitecer, ou a amanhecer; estariam nuvens ou sol, o vento era quente, as rochas frias, as palmeiras murchas.
e a figura dos óculos apagou o cigarro, levantou-se da ferrugenta mesa. o seu copo vazio.
-um excelente gosto.
e fitou, interminavelmente.
mirou o seu reflexo na água, estava calma, estava azul. a figura de óculos movia-se, fitou os olhos que sempre o fitaram.
representavam uma vida, uma morte, um significado, representavam pedras.
e com pedras se construíam monumentos, com pedras se construíam sonhos, com pedras se construíam realidade, e com pedras ia o Homem à lua.
e via isso naqueles olhos verdes. ou castanhos. ou azuis. os óculos pendiam agora na mão direita; sem protecções.
e na imensidão do espaço, na solidão do momento, no silêncio do mar e das gaivotas, os olhos penetravam-no, sorriam e choravam.
sim, lembrava-se tal como se fosse hoje.
lembro-me como se de hoje se tratasse.
eram brilhantes, eram frias, esvoaçantes, o verde e o amarelo, a estrada e o sol, a noite; o exílio. um oásis no deserto.
o piano ecoava em ambos, a vegetação à borda da estrada, os pedaços de esperança morta antes de nascer. mas não eram lágrimas, eram sorrisos.
talvez fossem na altura, mas na solidão daqueles olhos, os seus olhos, não podia arriscar-se mais longe, não podia fugir ou render-se, atacar ou ser atacado.
tudo o que podia fazer era sorrir, e aproximar-se.
da íris, das pupilas.
quando se constroem torres, quando se sonha tocar no céu, quando voa pelo céu;
ainda há demasiadas pedras.
ainda há demasiada gravidade.
e as pupilas são pequenas demais para caber lá, a íris demasiado grande para não lá cair. e da queda vem a incerteza, vem a morte, vem a vida.
ambos sorriram, na certeza do momento, na incerteza do próximo.
segurava os óculos, cofiava a barba, o poente de uma tarde ou o nascer de um dia reflectidos nos seus olhos profundos, vivos.
solidão, silêncio. sozinho.
não fazia a mínima ideia do que tudo aquilo significava.
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a mesma vista da mesma janela do mesmo céu do mesmo azul.
os ingredientes perfeitos da subúrbia insanidade caseira que povoa a mente de um louco sem rumo ou sabor, seco quanto um lago feito deserto. deserto, e afundado em rotinas tão velhas quanto a própria água, que desaparece de segundo a segundo. infiltra-se na areia, a areia que engolfa os pores do sol e a corrida das marés, o verde dos cumes longínquos, a dor de erros perdidos.
tudo ausente.
morreram, asfixiados por debaixo de um lago sem água.
tudo o que resta são cinzas que repousam a fitar o vazio. porventura do vazio sopre um dia vento, porventura do vazio caia alguma vez a chuva, porventura do vazio, nasça, um dia, alguma coisa.
há sete minutos que as teclas vibram pelo teclado fora, e as nuvens continuam as mesmas, o céu escurecido, o sol ausente. ainda os mesmos vidros da mesma janela, ainda as mesmas luzes vermelhas que brilham ao fundo, assinalando ali o final do horizonte possível, as luzes da fábrica mais distante que a minha janela alcança.
ainda a mesma nostalgia sem sentido.
ainda os mesmos aviões, os mesmos traços no céu que cruzam norte e sul, trópicos e árcticos.
e ainda eu aqui, sentado, empunhando teclas e recordações sem qualquer sentimento, desferindo golpes entre frases, cofiando a barba crescida; ansiando talvez a minha própria ilha deserta.
quinze minutos. um terço do Apollo de Eno já se foi, os candeeiros acendem-se. só mais um pouco os olhos fechados.
só mais um pouco a praia comprida, os cabelos longos, a terra da grande nuvem branca. só mais um pouco o asilo, o afastar dos sujos azulejos de casa de banho que tresanda ao sol de meio dia de um verão demasiado quente, plantas demasiado secas, lagos desérticos e pinheiros caídos.
é a poesia escrita com sangue menstrual pelas paredes cobertas de merda seca de um qualquer parque abandonado.
vinte e cinco minutos. dois terços. inutilidade.
perco-me nas palavras curtas de significados longos.
vinte e sete. amanhã chove. adeus.
They shone a chlorine light on,
A host of individual sins,
Let's carve my aging face off,
Fetch us a knife,
Start with my eyes,
Down so the lines,
Form a grimacing smile,
Close your eyes to corral a virtue,
Is this fooling anyone else?
Never worked so long and hard,
To cement a failure,
We can blow on our thumbs and posture,
But the lonely are such delicate things,
The wind from a wasp could blow them,
Into the sea,
With stones on their feet,
Lost to the light and the loving we need,
Still to come,
The worst part and you know it,
There is a numbness,
In your heart and it's growing.
pela estrada fora, defronte a madrugada, o verde dos campos iluminava-se à medida que, sonolentamente, o Sol se elevava no horizonte ainda estrelado, brilhante com o nascer primaveril de um novo Verão.
os primeiros cantares de galo, em quintas distantes, estilhaçavam o silêncio profundo, ecoavam pelos montes e celeiros, aparente imensidão verdejante que se movia melancolicamente ao sabor da aragem matinal.
folhas de abetos restolhantes escondiam montes e vales de searas, tractores, vivendas campestres com rochosas paredes, animais que dormiam e profundos poços de negrume.
os intermináveis campos de cereais e quintas estendiam-se até ao infinito, por vezes cortados por metálicos moínhos de vento que trituravam, incessantemente.
a perfeita paz de alma da cidade que dorme de Lua a Lua, escondida pelo meio do verde.
foi aí que a encontrei.
a Lua estava já alta no céu, mas ainda não dormia.
ao ouvir o salpicar por entre os arbustos, corri furtivamente por entre searas ao vento, cortei cuidadosamente ramos, escondi-me por entre clareiras.
o barulho continuava; aproximava-me.
a soturnidade constrangia o momento; os dois únicos seres acordados fitavam-se na escuridão.
o brilho celeste não mais nos iluminava, as clareiras tinham ficado para trás, o horizonte marcava-se por velhos troncos nus, nunca antes tocados pela lâmina de um lenhador, por indistintos pontos de luz voando na escuridão;
e pelos seus olhos, profundamente verdes.
por breves momentos perdi-me a contemplá-los, esgazeado pela ternura nocturna que nos envolvia.
a sua cor misturava-se com a dos campos, o seu brilho misturava-se com as estrelas, as suas negras pupilas transpareciam como fogueiras a arder num espaço profundo.
o seu corpo aproximou-se, o seu olhar prescutou-me longamente, curiosa.
um cometa iluminou a quente noite de Verão, transladando-se por entre a estrelada Via Láctea.
movia-se por cima de nós, suspenso no vazio, alourava os seus cabelos.
não desviámos o olhar...;
o Sagitário digeria o brilho nocturno.
quando abri os olhos, afogou-me o Sol matinal.
But with each turn,
It stays front and center,
Like a dart stuck square in your eye,
Every post you can hitch your faith on,
Is a pie in the sky,
Chock full of lies,
A tool we devise,
To make sinking stones fly.
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[Agradeço também aos elogios publicados nos comments e aos novos seguidores, dado que já não actualizava o blog há algum tempo. É óptimo saber que alguém lê e aprecia. :) ]
iluminada pelo delgado candelabro, a enrugada face era recortada pelos devaneios da chama dançante e dos pingos de ardente cera, que se derramavam por entre a magnífica secretária de pinho.
afiava a pena; num curto e delicado movimento demolhou o seu bico na mais baça das tintas da china, negra como uma tempestuosa noite, indelével quanto esporas de ferro incandescente; delineou.
o som da chuva assolava os espessos vidros, cobertos na difusa iluminação citadina, embaciada pelos fumos e gases saíndo de fogões alheios; chegava-lhe já a tenra fragrância do pão a saír do forno.
consultou o velho relógio de parede, sem se deixar hipnotizar pelo incansável pêndulo; onze e cinquenta e sete.
sem um bocejo, mergulhou novamente a pena na tinta, enxaguando o excesso e continuando a cuidadosa, porem efusiva, escrita.
por entre os dedos passavam-lhe imagens, sons e cores de universos incontroláveis - imaginações; histórias de perdido amor, vassouras mágicas e ágeis piratas, máquinas do tempo e flechas negras, casas perdidas à beira mar, tesouros enterrados por entre palmeiras, romances chorados entre beijos.
o fluxo tipográfico inundava-lhe a mente, agitava os seus dedos, imparáveis, à medida que descreviam mais uma letra de um código de eterno repouso, vidas e sonhos imprimidos por entre letras.
um relâmpago sacudiu a noite, abanando ligeiramente o velho relógio; meia noite e vinte.
as mãos estacaram, aparentemente vazias da matéria em que mergulhavam segundos antes.
apoiando-se em velhos e caros bibelots, moveu-se a custo, coxeando, ao longo do escuro corredor que dividia o seu escritório da cozinha, no andar debaixo; quadros dependurados, fustigados pela luz da sua vela, perdiam os escuros tons monocromáticos e revelavam magistralmente toda a íris de cavaleiros gloriosos após a batalha, campos perdidos repletos de flores, casas de campo na Flandres, navios atracados em luxuosas praias e montanhas tão altas cujo retrato se embevecia pelo fulgor das nuvens.
enquanto o chá aquecia, sentou-se, contemplou a tempestade lá fora, o seu belo jardim sendo varrido pela força das águas celestes, o aparente vazio da noite, sem uma única luz estrelada que pudesse constantar a guerra elementar que rebentava entre o céu e o chão.
ingeri, impotente, a frenética sina da tua liberdade; semicerrei-me.
agora enrosco nos lábios a pensativa pirisca, languidamente eterna, que arde lentamente, gasosa, esplêndida como a vida; como que ungida com o néctar divino da especulação e da utopia, dos desejos, vontades ganhas e ódios caídos.
mas não é o chão que piso que vislumbro, mas sim o voo liberto dos pássaros que me sobrevoam, contrastando a atmosfera sépia e poeirenta de um pôr do Sol citadino.
adoro, simplesmente.
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