lâminas douradas.

. terça-feira, 23 de junho de 2009



iluminada pelo delgado candelabro, a enrugada face era recortada pelos devaneios da chama dançante e dos pingos de ardente cera, que se derramavam por entre a magnífica secretária de pinho.
afiava a pena; num curto e delicado movimento demolhou o seu bico na mais baça das tintas da china, negra como uma tempestuosa noite, indelével quanto esporas de ferro incandescente; delineou.
o som da chuva assolava os espessos vidros, cobertos na difusa iluminação citadina, embaciada pelos fumos e gases saíndo de fogões alheios; chegava-lhe já a tenra fragrância do pão a saír do forno.
consultou o velho relógio de parede, sem se deixar hipnotizar pelo incansável pêndulo; onze e cinquenta e sete.
sem um bocejo, mergulhou novamente a pena na tinta, enxaguando o excesso e continuando a cuidadosa, porem efusiva, escrita.

por entre os dedos passavam-lhe imagens, sons e cores de universos incontroláveis - imaginações; histórias de perdido amor, vassouras mágicas e ágeis piratas, máquinas do tempo e flechas negras, casas perdidas à beira mar, tesouros enterrados por entre palmeiras, romances chorados entre beijos.
o fluxo tipográfico inundava-lhe a mente, agitava os seus dedos, imparáveis, à medida que descreviam mais uma letra de um código de eterno repouso, vidas e sonhos imprimidos por entre letras.

um relâmpago sacudiu a noite, abanando ligeiramente o velho relógio; meia noite e vinte.
as mãos estacaram, aparentemente vazias da matéria em que mergulhavam segundos antes.

apoiando-se em velhos e caros bibelots, moveu-se a custo, coxeando, ao longo do escuro corredor que dividia o seu escritório da cozinha, no andar debaixo; quadros dependurados, fustigados pela luz da sua vela, perdiam os escuros tons monocromáticos e revelavam magistralmente toda a íris de cavaleiros gloriosos após a batalha, campos perdidos repletos de flores, casas de campo na Flandres, navios atracados em luxuosas praias e montanhas tão altas cujo retrato se embevecia pelo fulgor das nuvens.

enquanto o chá aquecia, sentou-se, contemplou a tempestade lá fora, o seu belo jardim sendo varrido pela força das águas celestes, o aparente vazio da noite, sem uma única luz estrelada que pudesse constantar a guerra elementar que rebentava entre o céu e o chão.

2 comentários:

Maria Batata :D disse...

Olá^^

Escreves muito bem, mesmooo :D
Vou seguir o blog!

:)*

Anónimo disse...

que explêndida noitinha de verão.
sim, explêndida.

encanta-me com seus rutilantes contrastes entre luzentes estrelas e longínquos horizontes; perfeitamente delineados.
dou por mim a suspirar alegremente e tudo devido à ilusão e melancolia passados terem volvido em saudadinhas.
mas, saudadinhas?
tempos de alma cabisbaixa; de sorrisos TEMPORARIAMENTE ausentes; de corações partidos e amizades reconfortantes, saudadinhas?

sim, e não é imaginária.
e sinto-me bem no fim de tudo. sinto-me bem porque a fachada "quebrou-se", finalmente.

e agora sorrio, e sorrio, e sorrio. e não me canso porque, BAH. adoro sorrir de aparelho nos dentes.
(:

 

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