delusões.

. quarta-feira, 30 de maio de 2012



delusão 
s. f.
1. Engano dos sentidos ou pensamento.
2. O que se nos afigura ser o que não é.
3. Quimera.
4. Esperança irrealizável.


à medida que a luz da caverna se apaga,
o ténue breu esfumado do exterior descobre faces conhecidas,
sorrisos disfarçados, de olhos brilhantes
presos por grilhões, seguram chaves.


mas quem quer partir.

Maiúsculas

. domingo, 27 de maio de 2012



À medida que o pano cai e o público sai, a dúvida sempre persiste no ar. Do que sabem ser um intervalo saltam sentimentos, paixões, acesas dúvidas, quiçá existenciais. Sobre o herói, a vida, a acção. Morto ou vivo? Será a altura do penhasco fatal? Não, não pode ter sobrevivido ao tiroteio em Bagdade. Se bem que conseguiu ultrapassar os rápidos de Ladakh em direcção ao pico de Changtse, o grande glaciar de Rongbuk impõe-se na viagem, imponente na sua brilhante resplandecência, barrando com as suas escarpas geladas a entrada no sagrado mosteiro, onde porventura estará o cálice que tanto procura. Mas, interlúdio, correm pela neve homens armados, carabinas ao ombro. Velhos lobos da guerra, cicatrizes de baioneta não lhes são estranhas, longos cabelos ao vento.
Não há resolução possível, encurralado está o herói, e prepara-se para o seu último sorriso, um trejeito de chapéu, um piscar de olhos ao público.
À medida que o pano cai e o público sai, a dúvida sempre persiste no ar. Do que sabem ser um intervalo saltam sentimentos, paixões, acesas dúvidas, quiçá existenciais. Sobre o tempo, o espaço, sobre a curvada abóbada de união e as respostas a que gigantes cedem as omoplatas. Enquanto pisca o herói o olho há todo o tempo do mundo de mergulhar profundamente na imensurável íris, e pedir até às pontas do reflexo o que há do outro lado. Uma câmara? Talvez a extensão dos Himalaias, espraiados por todo o horizonte, longos e distantes. Talvez a cara dos malfeitores, tão determinados a roubarem ao herói o seu protagonismo. Talvez até nos encontremos onde tudo começou, de lados opostos, de tempos inversos.
Bate no vidro uma senhora com ricas vestimentas, ostentando veludo e cigarrilha. A sua expressão preocupada não deixa lugar a dúvidas. Anunciam os jornais que o malfadado cálice foi roubado, e o corpo do herói encontrado sem vida por um qualquer vale sem nome. Desfigurado de uma qualquer batalha perdida desde o inicio, as Maiúsculas bordadas a fio de ouro no interior do seu chapéu ensanguentado não deixavam lugar a dúvidas. Chorava-se o seu destino, chorava-se a perda do então mais valioso tesouro de toda a humanidade.
Pousa a pasta na estação do primeiro posto europeu na Turquia um distinto magnata. Cabelos grisalhos puxados para trás a brilhantina, gravata bem ajustada, e fato limpo à mais pequena fibra. Fala pouco, questiona os presentes. Pergunta-lhes pelo corpo do pobre herói, apresenta-se como detective real ao serviço da Scotland Yard. Apontam-lhe o Norte, uma qualquer estrada pelas rasteiras florestas Balcãs, é transportado com todo o rigor. É-lhe disponibilizado o melhor carro que a guarda tem ao dispor, um Chevrolet Master Deluxe de 1935, com toda a celeridade exigida pelo momento. Acelera a preto e branco pelo velho alcatrão esburacado, um nervoso miudinho anseia pelo encontro. Sente o coldre da sua Enfield no. 2 contra o quente do seu peito. Pensa na vida, na morte, na sua família e amigos. Em fim, um longo carro de matrícula britânica surge no horizonte, distinguem-se fardas de alta patente. O carro de um herói. Acelera, o momento está a chegar.
Cai o pano.
A escaramuça é curta e acesa, o sangue jorra abundante dos corpos moribundos. Os oficiais entreolham-se em dor, questionando-se sobre a identidade do misterioso britânico de cabelos grisalhos que roubou um chapéu, e partiu em direcção ao horizonte.

chumbo.

. sexta-feira, 10 de junho de 2011



de contornos agudos, roncos sérios e determinação violenta, corria negro o céu de prata, choviam marés de sensabor água sobre a revolta maresia, outrora calma e doce quanto um domingo passado a navegar o rio, sem preocupações e ao desalento das correntes, que sempre levam a proa até ao mar.
mas não era isso que vislumbrava por entre as atlânticas marés ruidosas, ou seriam as tábuas a ranger, os pregos a saltar, o seu próprio navio a afundar, o seu capitão a temer porventura o Fim, a queda em tamanho infinito redemoinho de sal e vapor exalado pelas narinas carvão do furacão.
e assim temia, encostado a uma parede, não podia nada mais fazer, não pensava sequer na tripulação: podia ser o único que restava, e o capitão nunca abandona o seu navio; quer desça a voragem até ao grande final, morrendo na honra do desconhecido, ou sendo quebrado pelas ondas sem final, que já lhe entram pela cabina, já lhe cobrem o leme.
e o chumbo é absoluto, a dor que não termina, qual ferida deixada aberta nos céus, ofensas ao todo poderoso que ordenou o dilúvio, certamente: que fez o capitão, homem da escrita e da matemática, que fez para ter de prostrar perante a natureza como um simples infiel durante os bárbaros apedrejamentos recordados na sua viagem aos desertos do oriente.
homem viajado e letrado, de experiência inimaginável, preso entre quatro paredes: quatro paredes que metem água, impensável, só pensava para si.
e no entanto ali estava, prisioneiro do próprio destino, um destino em que nada significava a aventura ou a coragem, a sorte ou o azar, a confiança ou a determinação.
a chuva continuaria.
e por entre os contornos enevoados nada era visível senão a face da própria destruição, a representação pura do medo humano que tanto tempo o descreveram em monstros marinhos de incontáveis faces, de imparável força.
temores que ganhavam corpo e cresciam no plúmbeo céu das tempestades, erguiam-se, desfazendo rochedos, lançando ondas sobre costas desconhecidas, engolindo destemidos exploradores de um só trago.
sabia o capitão que mais cedo ou mais tarde lhe aconteceria o mesmo, sempre fora um homem de lógica e razão, mas tudo lhe fazia parecer que se movia no horizonte a sombra do tridente de Neptuno, ou as sete cabeças da Hidra que não tardar o iam mastigar como se de um animal se tratasse.
e num movimento perdido nas correntes de mares revoltos, certamente obra de uma qualquer personagem escamosa, desabou a cabina, desabou todo toda a ponte, desabou toda a proa, num imenso rugido de dragão; prostrava-se o céu azul estendido, no olho do furacão.
foi a última coisa que viu antes caír nas profundezas do que acreditava ser o fim. e não era tão diferente do que alguma vez imaginara.




acordou pouco depois numa pequena praia de uma falésia coberta de neve.


Quadro:  Caspar David Friedrich - The Monk by the Sea

a caverna.

. domingo, 2 de janeiro de 2011





no horizonte distante prostravam-se montanhas, florestas, riachos e lagos sem fim. às estrelas não lhes era retirado o protagonismo pelo fogo ardente das cidades, ou a lua o calor afectivo das aldeolas e dos contos acendidos a carvão.


agradava-lhe a solidão, o silêncio, a natureza. a morte e a vida, o sol e a tempestade.
tudo tinha ficado, tudo tinha sido apagado. os livros pelas estantes, os documentos pelas gavetas, o dinheiro algures na lareira, talvez alto no céu, tão alto, de onde se visse a montanha que conhecia tão bem que já tratava por sua. talvez visse a sua floresta, o seu lago, a sua lua.
quando era pequeno, sempre quis ser um pioneiro, um explorador, um inventor. e tinha explorado aqueles campos melhor que ninguém: as primeiras e tímidas gotas rolavam pelos glaciares enquanto o inverno dava, a seu tempo, lugar às ferventes cores da primavera, o vale irrompia em fauna e flora até que o verão lhe aquecia o coração e os solos, por entre as colheitas e os frutos; o outono era época de melancolia, guardava as colheitas para o temível inverno, conservava a caça, e sorria.


sorria com o sorriso triste de um velho desconhecido, de um velho outrora poeta e hoje ermita, de um velho que da sociedade um dia se tinha decidido exilar. e continuava a sorrir enquanto a natureza se tingia de laranja e os ventos do árctico próximo gelavam tudo à sua passagem.
leves flocos de neve vertiam da infinita imensidão, tingindo-lhe a barba já grisalha, acalentando-lhe as cicatrizes já tão velhas quanto os seus netos seriam, se os tivesse.
recolhia à sua caverna, bem no coração da sua amada montanha, a rocha nua e fria aquecida pela sua fogueira, que há anos brilhava sem cessar, sem uma única falha; e nela aquecia a ponta dos dedos e a boca do seu velho cachimbo, uma das poucas coisas que ultrapassaram a barreira da civilização.
e, com a calma de uma vida acabada, de uma vida que corria como um infinito presente de recordações - uma vida sem fim ou início, sem nascimento ou morte, numa eterna velhice grisalha - observava ainda as estrelas todos os dias, ornamentava a caverna com um pinheiro em todos os solstícios de inverno e vertia uma lágrima em todas as auroras boreais. sonhava um dia mergulhar no grande azul celeste, onde as direcções se invertiam e onde as simetrias terrestres não mais faziam sentido, onde o silêncio é eterno e onde as pegadas nunca são apagadas.


os calendários e as horas perdiam todo o sentido por entre as montanhas rochosas, e os quilómetros de territórios virgens por ele palmilhados. os dias eram vividos, e não contados, as horas não eram mais que raios de sol - ou lua - que trespassavam a floresta.
a física, a biologia, a matemática não passavam de aproximações e experiências, de contas feitas esculpidas em troncos e tratados desenhados na neve. a cartografia não era mais que linhas desenhadas com sangue da caça por toda a caverna: montanhas, rios, planícies, tudo o que alguma vez encontrara.
e a cada risco sem destino espalhado pela rocha, cada vez mais pequena parecia a sua árvore, cada vez maior parecia o seu vale, cada vez mais compridos e severos pareciam os seus invernos, cada vez mais reduzida era a chama da sua fogueira e cada vez mais lágrimas vertia ao ver o imenso espalhar de íris no solitário e silencioso eternamente negro do Universo.

espelhos.

. domingo, 21 de novembro de 2010

--
e por entre dois arbustos espreitavam olhos curiosos, olhos penetrantes; reflectidos por entre as negras lentas dos óculos, já velhos, fitavam cada vez mais atentamente.
pelas aberturas das nuvens voavam gaivotas, pelas rochas trepavam chinelos não muito ágeis.
baixou os óculos, acendeu um cigarro suavemente.
as gaivotas voavam, o mar oscilava, o sol longe do olho da tormenta, invisível.
-lembro-me como se de hoje se tratasse.
sorriu. não um sorriso vitorioso, ou nostálgico. melancólico seria demasiado comprometido, apático seria demasiado frio.

e de facto lembrava-se.
não teria de se sentar, não teria de cofiar a barba em busca de apimentar a narrativa, não teria de fitar o negro dos óculos do desconhecido, o brilho do seu cigarro.
estaria a anoitecer, ou a amanhecer; estariam nuvens ou sol, o vento era quente, as rochas frias, as palmeiras murchas.
e a figura dos óculos apagou o cigarro, levantou-se da ferrugenta mesa. o seu copo vazio.
-um excelente gosto.
e fitou, interminavelmente.

mirou o seu reflexo na água, estava calma, estava azul. a figura de óculos movia-se, fitou os olhos que sempre o fitaram.
representavam uma vida, uma morte, um significado, representavam pedras.
e com pedras se construíam monumentos, com pedras se construíam sonhos, com pedras se construíam realidade, e com pedras ia o Homem à lua.
e via isso naqueles olhos verdes. ou castanhos. ou azuis. os óculos pendiam agora na mão direita; sem protecções.

e na imensidão do espaço, na solidão do momento, no silêncio do mar e das gaivotas, os olhos penetravam-no, sorriam e choravam.
sim, lembrava-se tal como se fosse hoje.
lembro-me como se de hoje se tratasse.
eram brilhantes, eram frias, esvoaçantes, o verde e o amarelo, a estrada e o sol, a noite; o exílio. um oásis no deserto.
o piano ecoava em ambos, a vegetação à borda da estrada, os pedaços de esperança morta antes de nascer. mas não eram lágrimas, eram sorrisos.
talvez fossem na altura, mas na solidão daqueles olhos, os seus olhos, não podia arriscar-se mais longe, não podia fugir ou render-se, atacar ou ser atacado.
tudo o que podia fazer era sorrir, e aproximar-se.
da íris, das pupilas.
quando se constroem torres, quando se sonha tocar no céu, quando voa pelo céu;
ainda há demasiadas pedras.
ainda há demasiada gravidade.
e as pupilas são pequenas demais para caber lá, a íris demasiado grande para não lá cair. e da queda vem a incerteza, vem a morte, vem a vida.
ambos sorriram, na certeza do momento, na incerteza do próximo.

segurava os óculos, cofiava a barba, o poente de uma tarde ou o nascer de um dia reflectidos nos seus olhos profundos, vivos.
solidão, silêncio. sozinho.

não fazia a mínima ideia do que tudo aquilo significava.
--

1095

. terça-feira, 16 de novembro de 2010



são carruagens e carris intermináveis, tais como os sentidos ou as palavras, que sem salvação ou possibilidade de paragem remota nos trazem à tona no rio de imagens que decorrem por entre os quadros pintados nas curvas da sua prisão.
montes e vales, flores e cidades, nuvens e rios, pontes e cidades, estradas, viadutos, linhas.
corriam numa manhã soalheira pelo nascer do sol, perdidas por entre o luar de outras vidas, outros olhares;
pastas e gravatas, fatos engomados e meias de rede, maquilhagem em olhos cansados, estafados das mesmas janelas empoeiradas por onde o vento passa, gélido e cortante, na paz de uma manhã nublada ou de uma noite sem estrelas.
ao longe no horizonte, mar de cinzas; brilha outrora uma casa, onde o café sabia melhor todas as manhãs, e onde o sol se põe todas as tardes, a água porca e marcada de óleo está a dois palmos e não a quilómetros hora de um palmo separado pelo vidro, pelo vento, pelo frio e pelas terras inexploradas.
é uma terra inexpressiva, ébria - não nasce, evolui ou morre, existe, simplesmente, na mais forma e pura situação do existir. o vento nunca move as árvores, o frio nunca gela a água, o sol nunca queima as secas ervas, as pessoas não esboçam sorrisos nas mais simples coisas.
mas pelos corredores cimentados da selva urbana, longe da prisão dos carris, o mundo é infinito, os cheiros eternos, os sorrisos inexistentes e contínuos.
a iluminação falha, raras as vezes em que o motor de um carro se aproxima na distância, separado por metros de betão.

o fumo eleva-se no ar, a lama seca com a lua nas rochas nuas. e não estão velhos sentados nelas, ou homens de negócios, nem sequer pescadores ou qualquer outra personagem com uma barba grisalha, um cigarro e textos filosóficos a fluírem-lhe pelas veias, sem one-liners memoráveis que nos farão voltar.
as rochas estão nuas, iluminadas apenas pelas luzes desfocadas que brilham ao longe, pelas bóias de sinalização da ponte, pelos aleatórios suspiros na lama de algum peixe a lutar por si mesmo.
os barcos; decrépitos, como sempre. a tinta cai-lhes como se de uma baixa casa das ruelas escuras se tratasse, de onde pingam spray e cal. os parques, repletos de cabelos penteados da maneira certa e de acordes aprendidos na internet, de navalhas afiadas e sangue frio.
as bandas, repletas de distorção e de cerveja, voam cinzas que curam, extensões de petróleo até onde a vista alcança: será a arrábida ao sul ou as luzes de lisboa ao norte, risos na cidade que é nossa, nas ruas que nem nós conhecemos.
não é melancolia ou frieza, ou sequer realismo. é um espaço que as palavras não enchem, que os sentidos não vêm - são ruas amenas e desertas, do silêncio das estrelas e das nuvens, de ter a sociedade evoluída no horizonte e de não querer lá estar; mas sim em casa; nos parques de folhas mortas e de livros espalhados, de bancos verdes em metal vivo ocupados por velhinhos, pescadores de barba grisalha e pirisca ao canto dos lábios, segurando um romance de bolso ou um volume de Nietzsche, quem sabe.

há quem coma demasiado alcatrão, ou beba demasiado café; ou quiçá tenha tido a sua dose de chuva e sol, de pneus furados e de árvores mortas, de beijos arrependidos ou de beijos intencionais, rochas nuas à beira mar, túneis sombrios, torres cinzentas no horizonte, avenidas sem fim, gritos a cada esquina.
e os carris a ninguém perdoam, na verdadeira alegoria da palavra, a sonolência da viagem, o silêncio da carruagem. pastas e gravatas, fatos engomados e meias de rede, maquilhagem em olhos cansados, estafados das mesmas janelas empoeiradas por onde o vento passa, gélido e cortante, na paz de uma janela nublada ou de uma noite sem estrelas.
de olhos cerrados não surgem realidades ou sonhos, não dormimos ou vemos, os sentidos distantes - construímos castelos, vivemos nos castelos, reis do que oxalá seria a realidade das palavras que fluem, da tinta que a caneta espirra, dos números que o visor da calculadora nos mostra, mas depressa nos apercebemos que todos os sentidos são infinitos, que todas as palavras não passam de buracos negros no brilhante fundo branco, um vinil de ínfimos montes e vales, flores e cidades, nuvens e rios, pontes e cidades, estradas, viadutos, linhas, castelos. desabamos castelos.
e nas ruínas estarão sempre os carris, o vidro húmido, as palmas que ao longe tocam uma cidade que acorda mas que não vive, uma cidade que fuma e bebe;
mas não morre.
e para longe vão os carris, para onde eu não quero ir.

storm.

. segunda-feira, 10 de maio de 2010

a mesma vista da mesma janela do mesmo céu do mesmo azul.
os ingredientes perfeitos da subúrbia insanidade caseira que povoa a mente de um louco sem rumo ou sabor, seco quanto um lago feito deserto. deserto, e afundado em rotinas tão velhas quanto a própria água, que desaparece de segundo a segundo. infiltra-se na areia, a areia que engolfa os pores do sol e a corrida das marés,  o verde dos cumes longínquos, a dor de erros perdidos.
tudo ausente.
morreram, asfixiados por debaixo de um lago sem água.
tudo o que resta são cinzas que repousam a fitar o vazio. porventura do vazio sopre um dia vento, porventura do vazio caia alguma vez a chuva, porventura do vazio, nasça, um dia, alguma coisa.

há sete minutos que as teclas vibram pelo teclado fora, e as nuvens continuam as mesmas, o céu escurecido, o sol ausente. ainda os mesmos vidros da mesma janela, ainda as mesmas luzes vermelhas que brilham ao fundo, assinalando ali o final do horizonte possível, as luzes da fábrica mais distante que a minha janela alcança.
ainda a mesma nostalgia sem sentido.
ainda os mesmos aviões, os mesmos traços no céu que cruzam norte e sul, trópicos e árcticos.
e ainda eu aqui, sentado, empunhando teclas e recordações sem qualquer sentimento, desferindo golpes entre frases, cofiando a barba crescida; ansiando talvez a minha própria ilha deserta.

quinze minutos. um terço do Apollo de Eno já se foi, os candeeiros acendem-se. só mais um pouco os olhos fechados.
só mais um pouco a praia comprida, os cabelos longos, a terra da grande nuvem branca. só mais um pouco o asilo, o afastar dos sujos azulejos de casa de banho que tresanda ao sol de meio dia de um verão demasiado quente, plantas demasiado secas, lagos desérticos e pinheiros caídos.
é a poesia escrita com sangue menstrual pelas paredes cobertas de merda seca de um qualquer parque abandonado.

vinte e cinco minutos. dois terços. inutilidade.
perco-me nas palavras curtas de significados longos.

vinte e sete. amanhã chove. adeus.

blur.

. domingo, 14 de março de 2010





do infinito do mais azul dos céus, não cessam as cinzas de para a eternidade continuar a cair.
o sol aquece a terra, onde outrora haviam campos.
onde outrora haviam campos. hoje nada mais há que um mar de cinzenta neve, neve que cai das estrelas noite e dia sem findar.
neve que não é quente nem fria, neve cinzenta que é tudo o que resta das acendalhas deixadas em cima da mesa.


os fósforos jazem na mesma gaveta onde sempre estiveram, a caixa cheia como sempre esteve, são sóis que passam.
hoje dos sóis caiem cinzas, de fogos que nunca existiram.
existiram.


sol, sóis.
são eles que fazem brilhar as luas, são eles que nos queimam no seu calor, são eles que perfuram a escuridão e acariciam os campos.
são eles deuses, divindades, heroísmos e esperanças, salvamentos e victórias, aventuras.


no entanto, das estrelas que banham a noite e do sol que aquece o dia, nada há mais do que cinzas que caiem, desfocadas, no horizonte, por entre vultos.
foco há pelo desfoco, detalhes básicos de caras e memórias que culminam em meros diagnósticos.


é tudo o que se encontra focado, num quadro branco, vazio; algures numa sala sem porta ou detalhes, algures numa sala sem oxigénio onde há algum tempo estou sentado, vazio, diante do quadro: morto, vivo, semicerrado.
pistas contraditórias e razões inversas, neve que cai pelo céu azul de fogueiras que nunca foram acesas, guerras quando nunca chegou a haver paz.


e as armas perdem-se na neblina, erguem-se sorrisos afirmativos que se desvanecem desfocados.
desfocados em foco.
hei-me já louco e boémio, hoje velho sujo dos seus próprios restos mortais.


o sol chora cinzas, a neve não é fria, sorrisos pelo meio de disparos certeiros.
pilhas de cartas incógnitas que se desvanecem sem surpresa por entre as surpresas.


insipidamente anestésico, quanto baste.


"if you gotta run, run from hope."



redemption.

. sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010



sunset - zombies


ei-lo
o passado.


não foi um mau primeiro: teve os seus montes, os seus vales, os seus lagos e os seus mares, teve as suas nuvens e as suas próprias folhas de jardim caídas, mas nunca nasceram por lá flores.
por vezes a terra sente de si brotarem minúsculos rebentos, mas não passam de grossos troncos de pinheiros bravos, que já de tantos, povoam o horizonte.
no entanto, não é a primeira vez que venho até cá, os punhos repletos de sementes, para as plantar com carinho e esperar até ao infinito: que um dia cresçam tão altas quanto as cores que um dia podem exalar; que um dia toquem o cimo do espaço, que brilhem à luz de muitas luas e muitas estrelas, incendiadas pela leveza do céu nocturno, pelos furos reluzentes no escuro veludo.
e assim se inicia a redenção dos que perdidos pela floresta ficaram, que regressam hoje ao jardim. mortos, mas de armas nas mãos, de pinturas de guerra na face.


as últimas pétalas.
murchas, que ainda caminham.
esta noite.
amanhã ainda cairá o gelo matinal pelos rebentos, ao nascer do sol, ainda o mistério está envolto em névoa, ainda as visitas ao jardim ficam adiadas para a primavera.


dizem que para a semana faz sol. até lá vou comer o resto das framboesas.
dorme bem,
até lá.

your turn.

cinco.

. sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010





animal collective - winter wonder land

I
demon seed



sinto muito pouco, ou sinto demasiado, à dor que corrompe tintas,
atilhos
no silêncio, teu e meu
é onde vimos escondia música e ruídos
hoje senti lúcido, raízes em escalada
mães, hoje senti mães
perdi as pernas, estão
mortas, mas não para sempre
hoje oiço gritos estridentes, fecho os olhos:
cinzentos os gritos.
de horror, nós somos um horror.
desfocado, vejo desfocado, lento,
desfocado, devagar
cinzento negro.

II
flashback

cidades verticais na horizontalidade do espaço.
e agora não sinto nada, à luz da não lucidez enjoada; as luzes estão quietas, vêm do céu, planam sobre as cabeças, quantas elas houverem, as cabeças no mar verde que é a relva.
o céu brilha panorâmico e texto já é ritmadamente pensado, escrito, as palavras encaixes em compartimentos estanque, a terra deixa de ser terra para passar a ser barrenta, e há pântanos no meio do verde, há apenas o negro da porta.

caiem agora pingos molhados pelos azulejos que brilham rosado sob a luz amarelecida, olhares conjuntos.
em que não vi emoção mas salvação, sorriso morto cúmplice e surdo -
ensurdeceram-se os corredores frios do escuro mortal, mas a porta estava aberta para quem decidisse saltar do barco.
o momento desvaneceu-se evaporando em calores vaporosos, inebriadas frases passadas lavadas com a água que caía ininterruptamente da torneira estragada.
reflexos de sombras diferentes, sombras tão iguais que nunca se sobreporiam, mas sempre se transformariam numa mais negra, mais carregada das cinzas.

III
wild horses

as cinzas, que tropeçavam hoje pelas ervas campestres, reflexos de algo vivo que para a terra se queimou, quem sabe se algum dia das cinzas nascem labaredas, quem sabe se um dia das cinzas cresçam ervas.
talvez sejam cinzas todas aquelas ervas, e eu sentado em cima delas, corpos caídos e pisados.
um dia terão a sua vingança no funeral de cores em que nada restará de mim senão cinzas.
aí posso rebolar pela relva em planos convexos, no grande cemitério verde que enche a terra e os céus.

já repararam as nuvens ao contrário transportam cores mais ávidas, perdidas ao fundo na dimensão dos detalhas, em que o verde floresce à luz de plácido ciano sépia que vem das costas do mundo, os pianos ecoam, afinados à destruição e à queda;
o teu mundo está ao contrário, infectado por luzes nuvens vapores quedas alheias ou tuas não sabes bem.
é quando o mundo cai que o sonho não voa, que a lógica impera e que os lobos trespassam relâmpagos de imaginativos números de criação, morte.
os cento e oitenta graus que separam a morte da vida, do prazer e da dor, da unidade e da destruição.

e assim queimam ao longe, levadas pelos vento por campos dentro, as cinzas de alguém sacrificado pelas diagonais derramadas pela relva.
são as cinzas do demónio da purificação e dos sentidos puros, o demónio da cor, das pinturas guerreiras que invocam a paz, do cemitério de esperanças que lutam contra o caixão, dos sete palmos de terra que congelam a razão.

IV
roots

os telhados brilham ao longe no baço horizonte em que o céu se pintava alface e a terra ondas, intercaladas pela espuma nebulada, cordas esticadas em tons cresciam e a revelação é que não há revelação, entram pelos furos para o espaço que são as estrelas, entram pedaços da fúria natural que nos rege e adormece, fecha as pálpebras incendiadas pela cor.
quem sabe se acordaremos cinza.

tocam ainda os pianos, enquanto me deito em tons perdidos e de repente os caracóis estão lisos.
quando o mundo é visto do avesso, as crónicas são breves e os felizes são tristes, os tristes vivos que vibram de felicidade contida na dor do mundo, na dor da poeira vítrea que semicerrava o horizonte, na tardia luz que iluminava Lisboa sem a electricidade que corre pelas águas do sereno rio, óleos de há muito mortos barcos.

estou farto dos sinais de trânsito e do víscero inútil ódio que transpira cimento, dos passeios que ecoam sons vazios, cheios de chuva e lama, dos sóis que brilham toda a tarde e não iluminam ninguém, dos frios que inebriam o passo, dos olhos cansados e da barba larga, das fotografias focadas e dos alvos quebrados.

cansado de ti e de mim e de todos sorrio, posso ainda não ser cinza mas apago decerto cinza hoje num corpo cansado, em ossos mortos e músculos doridos, onde a pureza espreita por entre as ébrias nuvens escarlate de um final de tarde.

V
for vendetta

Fevereiro chama, e os coros gritam pelos pássaros que sobrevoam a fria atmosfera, que derretem as congeladas gotículas que nos beijam no nariz.

o áudio sopra as velas da pedra sem messias perdida no palácio, pedra azul cinza com rachas húmidas de toques profundos, tons frios que cobrem de neve - ou serão cinzas - os palácios de cristal com as janelas rachadas.

são as raízes que me puxam pela terra dentro, e hoje nas cinzas apaga-se a última folha, voa pelos ares livres.
livre dos sonhos da alma e dos poços de sentimento só quero partir do peso dos ossos para voar nas ágeis nuvens.
a ordem queima-me os olhos, a desordem mata-me as células, a confusão cega-me os sentidos, os agudos da rua, os chutos nas bolas, tudo me causa palavras conceitos ideias.

um dia, chegará também o tempo em que todos vejam o verde céu cortado pelos rasgos azuis da relva, em que vejam o planeta como nunca antes se deitaram nele.
perspectivas. invertam-nas.
enlouqueço sóbrio.

está na hora!
incendeie-se.


IV, fim.

. quarta-feira, 25 de novembro de 2009












       envolve-te olhando de cima; engole-te, massiva, como um incompreendido monstro.
        canta-se o terror e a esperança: a morte e a vida.
        sob as estrelas.



IV,
fim.

as ondas varriam, suavemente, as desertas rochas que se estendiam até onde o horizonte alcançava.
o sol não brilhava, nem a silhueta da lua transparecia no gélido azul do céu, periodicamente cortado por agudos rasgos de nuvem - naquele entardecer.
o fumo elevava-se, calmamente, por entre as azuis tábuas, de tinta já rachada há muito por sólidas investidas.
amontoavam-se cigarros por entre as soltas rochas, ladravam cães de um qualquer pescador na distância, vislumbravam-se silhuetas perdidas a encarar o horizonte.
cobertas em longos, quentes casacos peludos, estavam vivas as sombras.

sabe-se lá que procuravam.
tinham sobrevivido a longos, gelados novembros, quais interlúdios do sonho, pausas no pensamento. era nesses perdidos novembros que olhavam a outra margem, de pirisca na boca, fumando a vida que já haviam ganho.
as rugas marcavam as espirais, o seu fim, os epicentros.
os dias encurtavam a largos passos e o distante, salpicado firmamento brilhava-lhes nos olhos. olhos já cansados e enrugados.
eram negras as pupilas, profundas como uma abissal fossa - um infindável poço de escuridão que rodeava a íris, de suave caramelo à forte luz da iluminação eléctrica que acendia as descidas, faiscante.
era na profundidade das pupilas que se viam os vórtices.





cintilavam os pinheiros, outrora sombrios, em novembro. a neve pintava-lhes os cabelos, tingindo o escuro verde, pontiagudas as agulhas, distantes nos topos onde o casco roçava sem os partir, onde o leme vibrava sem direcção e onde a proa congelava à luz da boreal tundra, petrificada no negrume absoluto da atmosfera polar.
eram azuis, as tábuas da proa, manchadas pela húmida neve que voava pelos ares, quais borboletas.
quais borboletas? - morreram todas.
a aurora desvanecia-se, lentamente, o negro continuava mudo e nem as copas altas se vislumbravam no breu total.
o pano rasgado das velas rosnava, fazia tremer a velha madeira, enquanto era dilacerado pelos gelados cristais escondidos na bruma; prendiam-se na barba rala que já crescia.

foi aí que as viste.
porque tu embarcaste, porque tu sempre estiveste aqui o tempo todo que desejei que estivesses.
não, mentira. tudo mentiras, falsidades, meras concepções, loucuras; desejos.
foi aí que as vi. foi aí que soube que não era mentira.
brilhavam nos teus olhos as cores, os milhares de cores, os milhões de cores, toda a cor do tudo reunida, reunida numa única espiral rodopiante de faíscas e de asas ferventes, crepitando borboletas, fogueiras voadoras de pura sensação, aquela que olhava para ti, para mim, para o centro, o centro onde rodopiava a luz que não era luz, apenas brilhava nos teus olhos, no breu completo de uma noite sem luar e sem aurora, na sombra total de um eclipse - foram meros segundos, apenas meros segundos, no teu brilho sozinho vi-me renascer e queimar num único instante temporal de fúria em que caímos, mas hoje agarramo-nos às cordas, hoje que o barco está parado.

não há lua nem estrelas nem hinos vivos.
é meia noite e entoamos cânticos - uma singular ode.
uma ode a nós.
foi por isso que o barco parou, foi por isso que o pano das velas se rasgou, é por isso que não nunca mais vamos voltar, é por isso que vamos morrer aqui, ou talvez sobreviver, ou talvez chorar a amar, ou amar a chorar.

quem sabe.
quem sabe não sejas mais que utopia.
mas não quero pensar nisso, não quero que penses, quero só que olhes novamente para o brilho, quero só olhar novamente para o brilho e focar-me na espiral que nunca pára - a espiral cujo vórtice somos nós e é o tempo e o espaço infinito em que estamos, a gravidade aquela que continua a manter o nosso barco a voar para a lua que não existe já - a lua não é mais que eu e tu, a luz não são mais que borboletas, o mundo não é mais do que o poço com demasiado sentido onde a verdade é presa por grilhões e atada aos fundos porões de enraivecida rocha ardente. não são vulcões aqueles por onde voamos, não são dunas ou praias, não são cidades ou planetas, não é o ar nem o mar, o vazio ou o vapor, o passado, o presente ou o futuro.
somos nós.
a viagem somos nós, as aldeolas, as florestas e os espinhos, o chão coberto de frias folhagens, as sinestesias perdidas, o brilho do sol e do sal, as cinzas que ardem caídas de pontas nas rochas, todas as silhuetas do mundo; somos nós.
porque é já na madrugada do hoje que o vento amainou e que a neve continua a cair sem cessar dos céus já marcados por raios desvanecidos em ti em mim no nosso mundo nas montanhas ao longe - aquelas de onde se vê as aldeias quando se sobe, aquelas de onde as autoestradas descem sobre os lagos.
mas hoje nada disso interessa, nada disso é novidade, nada disso é amor.

é neste yin e yang que gritamos, que destruímos, que criamos, que amamos, que tempestuamos e cuspimos no olho da voragem. não temos razão, mas temos liberdade, e temos o mundo;
amo-te, foda-se.
como qualquer louco lobo solitário.





era na profundidade das pupilas que se mediam os ângulos agudos, o rodopiar das espirais, o perdido mundo  onde um dia se sonharam perder.
hoje sentam-se nas rochas, hoje fumam em paz, na reforma da vida, em gélidos novembros, envergando grossos casacos com pêlo.

afinal o tempo não é mais que um ponto, um ponto na imensidão do tudo. um ponto onde estou eu, onde estás tu, onde estão eles.
todos juntos no único e singular momento, o efémero singular momento em que todos vivemos, todos ganhamos.

estamos vivos.

past the wind, past the deserts, past your emotions.
past the eternal sad truth.
let it last.











[e desculpem pelas imagens e pelos cortes, ainda não instalei o photoshop e não ficaram grande coisa.]

How Long Before the Stars Burn (Interlude)

. sexta-feira, 23 de outubro de 2009

How Long Before the Stars Burn
(Interlude)

Bones, sinking like stones
All that we've fought for.


o ar estava plúmbeo.
os ventos traziam-lhe as mais putrefactas sensações.
a água que ontem julgara límpida ostentava agora o breu total, de uma profundidade inexorável.
a rua estreitava-se, mais escura, mais nebulosa.
no horizonte cerrado não se avistava vivalma, além da sua própria, triste e curvada sombra.
o fumo das fábricas enchia o alcatrão sujo e deslavado dos ventos outonais de fuligem abrasadora, arrasada pelos seus pés; planava por entre a sua respiração o repugnante smog urbano.

ao longe, as luzes apagadas enunciavam que o dia já raiara há muito tempo.
mas, para si, era como se a melancólica noite imperasse sob as pesadas areias, repletas de garrafas de plástico vazias e de latas de refrigerante, sítio onde outrora fogueiras ardiam.

a neblina balançava, suavemente, na rigidez do oceano, pelas dunas onde outrora se viam moinhos, fugidos por entre as pequenas línguas de areia que se estendiam até ao centro da terra.
fugidos, e aprisionados para sempre no pensamento constante de uma tarde de Outono.
das árvores, nada restava senão troncos vazios, ocos da sua essência, queimados pela fuligem e tornados cinzentos pela irrespirável atmosfera com odor a chumbo.

acompanhado na névoa, sozinho no mundo.

apenas como criança,
livre.
livre de novo criança, sem outra sombra decadente, presa no mar onde o vento não move os moinhos, no mar onde as luzes não brilham, onde a noite não raia; ou onde o brilho etéreo da esbranquiçada pele, cor de cal, nunca é queimada pelo brilho das estrelas cadentes,
que não transparecem a noite.

é assim o outro lado da rua;
já sem sonhos.

Poles apart.

The Lights of Lisbon Were Shining There for Us (Launchpad) ~ III

. terça-feira, 13 de outubro de 2009





(Mono - Moonlight)


The Lights of Lisbon Were Shining There for Us ~ III
(Launchpad)


perspectiva.
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é tudo uma questão de perspectiva.
uns preferem ver a vida de cima, olhando discretamente o quotidiano dos demais como simples formigas, meros ratos de laboratório, escrevendo teses sobre o tudo e o nada; como que puxando o simples globo por cordéis.


outros, preferem a simples e directa vista horizontal que a natureza nos proporciona, abraçar os sentidos como o seu hino e viver num plano invariável em que os montes, os vales e os rios parecem caber na mesma dimensão tépida.


os que fitam as profundezas, de olhos semi-cerrados, acreditam buscar o segredo virgem escondido por entre brumas.
são corajosos, os que se aventuram onde nenhum outro homem foi, a dimensão vibrante da vertigem.
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há ainda os que não se preocupam com a vista dos topos das nuvens, ou com a linha correctamente dimensional que a horizontalidade da vida proporciona; as profundidades não lhes pintam os sonhos nem lhes luzem a chama apagada.


tão próximos, tão distantes; os sonhadores para os quais três perspectivas nunca foram suficientes:


as nuvens nunca estiveram altas o suficiente para o azul se enegrecer e para as casas desaparecerem; a simples dimensão de uma vista em linha recta numa teve curvas suficientes; as profundidades nunca tiveram a textura de uma queda livre pelas escarpas da mente.
__________________________________________


mas, não passam de perspectivas; visões ténues de uma subconsciente realidade que nos abraça, destruindo-nos.


porque não fitas tu o céu?
enquanto as pálidas luzes de Lisboa nos abraçam num sorriso conjunto, brilhante.
ainda brilham nos teus olhos enquanto o Sol se põe.
entardece.
porque não fitas tu o azul, o mais profundo dos azuis, rasgado por farrapos nublados; insectos que contrastam contra o crepúsculo?
deita-te na relva.


enquanto as luzes nos fitam; estão calmas.
o ar silencioso, vibrante.
como uma cor transcendente dos sentidos, uma mera sinestesia existencial.
deita-te na relva, não tenhas medo.
__________________________________________


agora que estás deitada;
já podes ver a Lua, ainda a nascer.


vamos, antes que levante a maré.
set sail.


the burnt feather of a phoenix - II

. terça-feira, 29 de setembro de 2009



The Burnt Feather of a Phoenix - II

So, that's how it began.

dizem que, perdida no meio de um horizonte nublado e afastada da pressão citadina que a rodeia, uma estrada corre livre por entre baixas habitações, rodeada de sal e de mar, circundada pelo último bastião de filosofia humano.

no ínicio, perto das frondosas árvores, no litoral, solitários fitam o mar com enublados olhos de saudade; porventura a fumar um leve cigarro.
casais partilham prazer diante da calma água, encostados às pacíficas rochas, já amaciadas pelo mar; nos dias solarengos.

a cidade desaparece, lentamente, quanto mais fundo penetrarmos na infinita rua.
as tábuas de um velho clube encaram de frente o ténue azul.

os carros vão desaparecendo e os pescadores vão escasseando, outrora sentados à beira do curto areal.
a praia surge onde as paredes são rasgadas.
é aí que o objectivo transparece e a questão angustia o ser.

foi aí que enterrei o lado negro.

vim deixar-lhe flores.

nightfall ~ I

. segunda-feira, 28 de setembro de 2009



Nightfall ~ I

a última vez que olhei pela janela, o céu estava da cor de um papiro, amarrotado pelas nuvens.
a chuva caía lentamente por entre as clareiras azuis, e o ar exaltava a textura barrenta das terras soltas.

o avião cruzava suavemente as nuvens que outrora choraram sob o vidro.
já não havia sinal das gotas, ou dos últimos raios de Sol.
os dias estreitavam-se e o solo seco ganhava nova cor, o amarelo seco ganhava os tons dourados e desaparecia lentamente.

escuridão.

as notas soltavam-se, melancólicas, ecoavam pelo ar de outouno, ocupavam o espaço e multiplicavam-se, sucessivamente.
qualquer um se acharia perdido por entre os tons, que continuavam, sem cessar, as cordas iluminadas pelo incandescente halogéneo.

à frente, restava apenas a visão perdida, aquela que é por hábito recordar com uma lágrima ao canto do olho; troncos erguidos, bocas cobertas de folhagem, cerradas à passagem de intrusos, perigos inimagináveis;

e, no topo das árvores mais altas dos montes mais altos;
a lua ainda brilhava.
por vezes.



os espinhos renasciam no que outrora tinha sido um inferno seco.


east.

. sexta-feira, 31 de julho de 2009



my lover.
to east we shall roam until we reach the borderline of this world.

past the green fields, past the frozen candles, past the porcelina of the vast oceans, past the pirate coves, past the desert islands of passion and despair, past the knights and the battles, the waves and the sun, the salt and the fallen needles of northern boreal pine trees.
past the wind, past the deserts, past your emotions.
past the eternal sad truth.
let it last.


[oh, btw. fui de férias.]

the green fields.

. terça-feira, 14 de julho de 2009

They shone a chlorine light on,
A host of individual sins,

Let's carve my aging face off,

Fetch us a knife,

Start with my eyes,

Down so the lines,

Form a grimacing smile,


Close your eyes to corral a virtue,

Is this fooling anyone else?

Never worked so long and hard,

To cement a failure,


We can blow on our thumbs and posture,

But the lonely are such delicate things,

The wind from a wasp could blow them,

Into the sea,

With stones on their feet,

Lost to the light and the loving we need,


Still to come,

The worst part and you know it,

There is a numbness,

In your heart and it's growing.




pela estrada fora, defronte a madrugada, o verde dos campos iluminava-se à medida que, sonolentamente, o Sol se elevava no horizonte ainda estrelado, brilhante com o nascer primaveril de um novo Verão.
os primeiros cantares de galo, em quintas distantes, estilhaçavam o silêncio profundo, ecoavam pelos montes e celeiros, aparente imensidão verdejante que se movia melancolicamente ao sabor da aragem matinal.
folhas de abetos restolhantes escondiam montes e vales de searas, tractores, vivendas campestres com rochosas paredes, animais que dormiam e profundos poços de negrume.
os intermináveis campos de cereais e quintas estendiam-se até ao infinito, por vezes cortados por metálicos moínhos de vento que trituravam, incessantemente.

a perfeita paz de alma da cidade que dorme de Lua a Lua, escondida pelo meio do verde.
foi aí que a encontrei.
a Lua estava já alta no céu, mas ainda não dormia.
ao ouvir o salpicar por entre os arbustos, corri furtivamente por entre searas ao vento, cortei cuidadosamente ramos, escondi-me por entre clareiras.
o barulho continuava; aproximava-me.
a soturnidade constrangia o momento; os dois únicos seres acordados fitavam-se na escuridão.
o brilho celeste não mais nos iluminava, as clareiras tinham ficado para trás, o horizonte marcava-se por velhos troncos nus, nunca antes tocados pela lâmina de um lenhador, por indistintos pontos de luz voando na escuridão;
e pelos seus olhos, profundamente verdes.

por breves momentos perdi-me a contemplá-los, esgazeado pela ternura nocturna que nos envolvia.
a sua cor misturava-se com a dos campos, o seu brilho misturava-se com as estrelas, as suas negras pupilas transpareciam como fogueiras a arder num espaço profundo.
o seu corpo aproximou-se, o seu olhar prescutou-me longamente, curiosa.

um cometa iluminou a quente noite de Verão, transladando-se por entre a estrelada Via Láctea.
movia-se por cima de nós, suspenso no vazio, alourava os seus cabelos.
não desviámos o olhar...;
o Sagitário digeria o brilho nocturno.

quando abri os olhos, afogou-me o Sol matinal.



But with each turn,

It stays front and center,

Like a dart stuck square in your eye,

Every post you can hitch your faith on,

Is a pie in the sky,

Chock full of lies,

A tool we devise,

To make sinking stones fly.

--

[Agradeço também aos elogios publicados nos comments e aos novos seguidores, dado que já não actualizava o blog há algum tempo. É óptimo saber que alguém lê e aprecia. :) ]


lâminas douradas.

. terça-feira, 23 de junho de 2009



iluminada pelo delgado candelabro, a enrugada face era recortada pelos devaneios da chama dançante e dos pingos de ardente cera, que se derramavam por entre a magnífica secretária de pinho.
afiava a pena; num curto e delicado movimento demolhou o seu bico na mais baça das tintas da china, negra como uma tempestuosa noite, indelével quanto esporas de ferro incandescente; delineou.
o som da chuva assolava os espessos vidros, cobertos na difusa iluminação citadina, embaciada pelos fumos e gases saíndo de fogões alheios; chegava-lhe já a tenra fragrância do pão a saír do forno.
consultou o velho relógio de parede, sem se deixar hipnotizar pelo incansável pêndulo; onze e cinquenta e sete.
sem um bocejo, mergulhou novamente a pena na tinta, enxaguando o excesso e continuando a cuidadosa, porem efusiva, escrita.

por entre os dedos passavam-lhe imagens, sons e cores de universos incontroláveis - imaginações; histórias de perdido amor, vassouras mágicas e ágeis piratas, máquinas do tempo e flechas negras, casas perdidas à beira mar, tesouros enterrados por entre palmeiras, romances chorados entre beijos.
o fluxo tipográfico inundava-lhe a mente, agitava os seus dedos, imparáveis, à medida que descreviam mais uma letra de um código de eterno repouso, vidas e sonhos imprimidos por entre letras.

um relâmpago sacudiu a noite, abanando ligeiramente o velho relógio; meia noite e vinte.
as mãos estacaram, aparentemente vazias da matéria em que mergulhavam segundos antes.

apoiando-se em velhos e caros bibelots, moveu-se a custo, coxeando, ao longo do escuro corredor que dividia o seu escritório da cozinha, no andar debaixo; quadros dependurados, fustigados pela luz da sua vela, perdiam os escuros tons monocromáticos e revelavam magistralmente toda a íris de cavaleiros gloriosos após a batalha, campos perdidos repletos de flores, casas de campo na Flandres, navios atracados em luxuosas praias e montanhas tão altas cujo retrato se embevecia pelo fulgor das nuvens.

enquanto o chá aquecia, sentou-se, contemplou a tempestade lá fora, o seu belo jardim sendo varrido pela força das águas celestes, o aparente vazio da noite, sem uma única luz estrelada que pudesse constantar a guerra elementar que rebentava entre o céu e o chão.

ginger ale.

. terça-feira, 9 de junho de 2009



percebi que sou um romântico porque prefiro ver o gradiente colorido de uma nódoa nas vestes que o branco vazio imaculado de uma lavagem perfeita.

technicolor.

. segunda-feira, 1 de junho de 2009

ingeri, impotente, a frenética sina da tua liberdade; semicerrei-me.

agora enrosco nos lábios a pensativa pirisca, languidamente eterna, que arde lentamente, gasosa, esplêndida como a vida; como que ungida com o néctar divino da especulação e da utopia, dos desejos, vontades ganhas e ódios caídos.

mas não é o chão que piso que vislumbro, mas sim o voo liberto dos pássaros que me sobrevoam, contrastando a atmosfera sépia e poeirenta de um pôr do Sol citadino.
adoro, simplesmente.



sinestesia.

. sexta-feira, 29 de maio de 2009



Livre na vastidão das andorinhas, no rasto que o vento deixa pelos topos dos pinheiros bravos, sob a íris azul dourada de um céu de fim de tarde.
Nenhumas mais ondas que os destemidos gritos da ínfima natureza, onde os trilhos rasgados ainda estão cobertos de alta urze, verdejando à fragrância de uma aragem que embala o sol, escasso já no horizonte.
É aí que o riacho chilreia com a pulsação das rolas, bicando ténues pedaços de vida, deitados por entre grãos de húmida terra, cruzada por vermes que subsistem.
E na ténue melopeia do orvalho matinal, caminho para fora da música, finda-se a utopia.

O precipitado loiro celeste é dilacerado por gritantes rudes cabos de alta tensão, negros como a lâmina de fuligem que arrepia os suspensos ácidos da disforme massa que encarniça o olhar.
Do cimo do monte, onde as fogueiras teimam em suturar o espírito sangrento de uma viva cidade desfalecida. Em todas as suas células, smog.

once, just this once.

atmosfera.

. segunda-feira, 25 de maio de 2009



sinto a sua envolvência como um sopro.
despe-me.

 

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