IV, fim.

. quarta-feira, 25 de novembro de 2009












       envolve-te olhando de cima; engole-te, massiva, como um incompreendido monstro.
        canta-se o terror e a esperança: a morte e a vida.
        sob as estrelas.



IV,
fim.

as ondas varriam, suavemente, as desertas rochas que se estendiam até onde o horizonte alcançava.
o sol não brilhava, nem a silhueta da lua transparecia no gélido azul do céu, periodicamente cortado por agudos rasgos de nuvem - naquele entardecer.
o fumo elevava-se, calmamente, por entre as azuis tábuas, de tinta já rachada há muito por sólidas investidas.
amontoavam-se cigarros por entre as soltas rochas, ladravam cães de um qualquer pescador na distância, vislumbravam-se silhuetas perdidas a encarar o horizonte.
cobertas em longos, quentes casacos peludos, estavam vivas as sombras.

sabe-se lá que procuravam.
tinham sobrevivido a longos, gelados novembros, quais interlúdios do sonho, pausas no pensamento. era nesses perdidos novembros que olhavam a outra margem, de pirisca na boca, fumando a vida que já haviam ganho.
as rugas marcavam as espirais, o seu fim, os epicentros.
os dias encurtavam a largos passos e o distante, salpicado firmamento brilhava-lhes nos olhos. olhos já cansados e enrugados.
eram negras as pupilas, profundas como uma abissal fossa - um infindável poço de escuridão que rodeava a íris, de suave caramelo à forte luz da iluminação eléctrica que acendia as descidas, faiscante.
era na profundidade das pupilas que se viam os vórtices.





cintilavam os pinheiros, outrora sombrios, em novembro. a neve pintava-lhes os cabelos, tingindo o escuro verde, pontiagudas as agulhas, distantes nos topos onde o casco roçava sem os partir, onde o leme vibrava sem direcção e onde a proa congelava à luz da boreal tundra, petrificada no negrume absoluto da atmosfera polar.
eram azuis, as tábuas da proa, manchadas pela húmida neve que voava pelos ares, quais borboletas.
quais borboletas? - morreram todas.
a aurora desvanecia-se, lentamente, o negro continuava mudo e nem as copas altas se vislumbravam no breu total.
o pano rasgado das velas rosnava, fazia tremer a velha madeira, enquanto era dilacerado pelos gelados cristais escondidos na bruma; prendiam-se na barba rala que já crescia.

foi aí que as viste.
porque tu embarcaste, porque tu sempre estiveste aqui o tempo todo que desejei que estivesses.
não, mentira. tudo mentiras, falsidades, meras concepções, loucuras; desejos.
foi aí que as vi. foi aí que soube que não era mentira.
brilhavam nos teus olhos as cores, os milhares de cores, os milhões de cores, toda a cor do tudo reunida, reunida numa única espiral rodopiante de faíscas e de asas ferventes, crepitando borboletas, fogueiras voadoras de pura sensação, aquela que olhava para ti, para mim, para o centro, o centro onde rodopiava a luz que não era luz, apenas brilhava nos teus olhos, no breu completo de uma noite sem luar e sem aurora, na sombra total de um eclipse - foram meros segundos, apenas meros segundos, no teu brilho sozinho vi-me renascer e queimar num único instante temporal de fúria em que caímos, mas hoje agarramo-nos às cordas, hoje que o barco está parado.

não há lua nem estrelas nem hinos vivos.
é meia noite e entoamos cânticos - uma singular ode.
uma ode a nós.
foi por isso que o barco parou, foi por isso que o pano das velas se rasgou, é por isso que não nunca mais vamos voltar, é por isso que vamos morrer aqui, ou talvez sobreviver, ou talvez chorar a amar, ou amar a chorar.

quem sabe.
quem sabe não sejas mais que utopia.
mas não quero pensar nisso, não quero que penses, quero só que olhes novamente para o brilho, quero só olhar novamente para o brilho e focar-me na espiral que nunca pára - a espiral cujo vórtice somos nós e é o tempo e o espaço infinito em que estamos, a gravidade aquela que continua a manter o nosso barco a voar para a lua que não existe já - a lua não é mais que eu e tu, a luz não são mais que borboletas, o mundo não é mais do que o poço com demasiado sentido onde a verdade é presa por grilhões e atada aos fundos porões de enraivecida rocha ardente. não são vulcões aqueles por onde voamos, não são dunas ou praias, não são cidades ou planetas, não é o ar nem o mar, o vazio ou o vapor, o passado, o presente ou o futuro.
somos nós.
a viagem somos nós, as aldeolas, as florestas e os espinhos, o chão coberto de frias folhagens, as sinestesias perdidas, o brilho do sol e do sal, as cinzas que ardem caídas de pontas nas rochas, todas as silhuetas do mundo; somos nós.
porque é já na madrugada do hoje que o vento amainou e que a neve continua a cair sem cessar dos céus já marcados por raios desvanecidos em ti em mim no nosso mundo nas montanhas ao longe - aquelas de onde se vê as aldeias quando se sobe, aquelas de onde as autoestradas descem sobre os lagos.
mas hoje nada disso interessa, nada disso é novidade, nada disso é amor.

é neste yin e yang que gritamos, que destruímos, que criamos, que amamos, que tempestuamos e cuspimos no olho da voragem. não temos razão, mas temos liberdade, e temos o mundo;
amo-te, foda-se.
como qualquer louco lobo solitário.





era na profundidade das pupilas que se mediam os ângulos agudos, o rodopiar das espirais, o perdido mundo  onde um dia se sonharam perder.
hoje sentam-se nas rochas, hoje fumam em paz, na reforma da vida, em gélidos novembros, envergando grossos casacos com pêlo.

afinal o tempo não é mais que um ponto, um ponto na imensidão do tudo. um ponto onde estou eu, onde estás tu, onde estão eles.
todos juntos no único e singular momento, o efémero singular momento em que todos vivemos, todos ganhamos.

estamos vivos.

past the wind, past the deserts, past your emotions.
past the eternal sad truth.
let it last.











[e desculpem pelas imagens e pelos cortes, ainda não instalei o photoshop e não ficaram grande coisa.]

6 comentários:

Maria Batata :D disse...

Deixa-me que te diga que a tua escrita fascina-me. Deveras (:

Mas se digo coisas do género, de cada vez que cá passo, torno-me repetitiva, visto que o meu desejo de um dia ser assim como tu, não passou (:

Obrigada pelos "Parabéns!" - eu sei que te apercebeste que fazia anos, através de um enorme esforço mental, porque, quando quero, sou bastante subtil! xD

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Dianne disse...

Fim? É o fim?

Dianne disse...

Hás-de explicar me isso melhor, para ver se entendo..

Achas? Só nos meus sonhos é que vou :'l

Dianne disse...

Oh rapaz!
O que é feito de ti?

Marta Gil disse...

Ainda bem que comentaste para eu me lembrar de apagar aquilo.
E assim aproveito a deixa para te ordenar a escrever coisinhas fofinhas, e não há desculpa porque tens ido a sítios inspiradores.
E se quando saltássemos de arranha-céus caíssemos em galáxias, já eu estava no grande prédio do dubai a fingir que era uma baby gaivota.

Dianne disse...

Assim espero :)

 

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