cinco.

. sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010





animal collective - winter wonder land

I
demon seed



sinto muito pouco, ou sinto demasiado, à dor que corrompe tintas,
atilhos
no silêncio, teu e meu
é onde vimos escondia música e ruídos
hoje senti lúcido, raízes em escalada
mães, hoje senti mães
perdi as pernas, estão
mortas, mas não para sempre
hoje oiço gritos estridentes, fecho os olhos:
cinzentos os gritos.
de horror, nós somos um horror.
desfocado, vejo desfocado, lento,
desfocado, devagar
cinzento negro.

II
flashback

cidades verticais na horizontalidade do espaço.
e agora não sinto nada, à luz da não lucidez enjoada; as luzes estão quietas, vêm do céu, planam sobre as cabeças, quantas elas houverem, as cabeças no mar verde que é a relva.
o céu brilha panorâmico e texto já é ritmadamente pensado, escrito, as palavras encaixes em compartimentos estanque, a terra deixa de ser terra para passar a ser barrenta, e há pântanos no meio do verde, há apenas o negro da porta.

caiem agora pingos molhados pelos azulejos que brilham rosado sob a luz amarelecida, olhares conjuntos.
em que não vi emoção mas salvação, sorriso morto cúmplice e surdo -
ensurdeceram-se os corredores frios do escuro mortal, mas a porta estava aberta para quem decidisse saltar do barco.
o momento desvaneceu-se evaporando em calores vaporosos, inebriadas frases passadas lavadas com a água que caía ininterruptamente da torneira estragada.
reflexos de sombras diferentes, sombras tão iguais que nunca se sobreporiam, mas sempre se transformariam numa mais negra, mais carregada das cinzas.

III
wild horses

as cinzas, que tropeçavam hoje pelas ervas campestres, reflexos de algo vivo que para a terra se queimou, quem sabe se algum dia das cinzas nascem labaredas, quem sabe se um dia das cinzas cresçam ervas.
talvez sejam cinzas todas aquelas ervas, e eu sentado em cima delas, corpos caídos e pisados.
um dia terão a sua vingança no funeral de cores em que nada restará de mim senão cinzas.
aí posso rebolar pela relva em planos convexos, no grande cemitério verde que enche a terra e os céus.

já repararam as nuvens ao contrário transportam cores mais ávidas, perdidas ao fundo na dimensão dos detalhas, em que o verde floresce à luz de plácido ciano sépia que vem das costas do mundo, os pianos ecoam, afinados à destruição e à queda;
o teu mundo está ao contrário, infectado por luzes nuvens vapores quedas alheias ou tuas não sabes bem.
é quando o mundo cai que o sonho não voa, que a lógica impera e que os lobos trespassam relâmpagos de imaginativos números de criação, morte.
os cento e oitenta graus que separam a morte da vida, do prazer e da dor, da unidade e da destruição.

e assim queimam ao longe, levadas pelos vento por campos dentro, as cinzas de alguém sacrificado pelas diagonais derramadas pela relva.
são as cinzas do demónio da purificação e dos sentidos puros, o demónio da cor, das pinturas guerreiras que invocam a paz, do cemitério de esperanças que lutam contra o caixão, dos sete palmos de terra que congelam a razão.

IV
roots

os telhados brilham ao longe no baço horizonte em que o céu se pintava alface e a terra ondas, intercaladas pela espuma nebulada, cordas esticadas em tons cresciam e a revelação é que não há revelação, entram pelos furos para o espaço que são as estrelas, entram pedaços da fúria natural que nos rege e adormece, fecha as pálpebras incendiadas pela cor.
quem sabe se acordaremos cinza.

tocam ainda os pianos, enquanto me deito em tons perdidos e de repente os caracóis estão lisos.
quando o mundo é visto do avesso, as crónicas são breves e os felizes são tristes, os tristes vivos que vibram de felicidade contida na dor do mundo, na dor da poeira vítrea que semicerrava o horizonte, na tardia luz que iluminava Lisboa sem a electricidade que corre pelas águas do sereno rio, óleos de há muito mortos barcos.

estou farto dos sinais de trânsito e do víscero inútil ódio que transpira cimento, dos passeios que ecoam sons vazios, cheios de chuva e lama, dos sóis que brilham toda a tarde e não iluminam ninguém, dos frios que inebriam o passo, dos olhos cansados e da barba larga, das fotografias focadas e dos alvos quebrados.

cansado de ti e de mim e de todos sorrio, posso ainda não ser cinza mas apago decerto cinza hoje num corpo cansado, em ossos mortos e músculos doridos, onde a pureza espreita por entre as ébrias nuvens escarlate de um final de tarde.

V
for vendetta

Fevereiro chama, e os coros gritam pelos pássaros que sobrevoam a fria atmosfera, que derretem as congeladas gotículas que nos beijam no nariz.

o áudio sopra as velas da pedra sem messias perdida no palácio, pedra azul cinza com rachas húmidas de toques profundos, tons frios que cobrem de neve - ou serão cinzas - os palácios de cristal com as janelas rachadas.

são as raízes que me puxam pela terra dentro, e hoje nas cinzas apaga-se a última folha, voa pelos ares livres.
livre dos sonhos da alma e dos poços de sentimento só quero partir do peso dos ossos para voar nas ágeis nuvens.
a ordem queima-me os olhos, a desordem mata-me as células, a confusão cega-me os sentidos, os agudos da rua, os chutos nas bolas, tudo me causa palavras conceitos ideias.

um dia, chegará também o tempo em que todos vejam o verde céu cortado pelos rasgos azuis da relva, em que vejam o planeta como nunca antes se deitaram nele.
perspectivas. invertam-nas.
enlouqueço sóbrio.

está na hora!
incendeie-se.


1 comentários:

Maria Batata :D disse...

:D

estou a ver que andaste pelos lados de Alfama^^

eu disse que dava resultado!
(não deixes morrer agora que o teu mojo voltou xD)

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