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. terça-feira, 16 de novembro de 2010



são carruagens e carris intermináveis, tais como os sentidos ou as palavras, que sem salvação ou possibilidade de paragem remota nos trazem à tona no rio de imagens que decorrem por entre os quadros pintados nas curvas da sua prisão.
montes e vales, flores e cidades, nuvens e rios, pontes e cidades, estradas, viadutos, linhas.
corriam numa manhã soalheira pelo nascer do sol, perdidas por entre o luar de outras vidas, outros olhares;
pastas e gravatas, fatos engomados e meias de rede, maquilhagem em olhos cansados, estafados das mesmas janelas empoeiradas por onde o vento passa, gélido e cortante, na paz de uma manhã nublada ou de uma noite sem estrelas.
ao longe no horizonte, mar de cinzas; brilha outrora uma casa, onde o café sabia melhor todas as manhãs, e onde o sol se põe todas as tardes, a água porca e marcada de óleo está a dois palmos e não a quilómetros hora de um palmo separado pelo vidro, pelo vento, pelo frio e pelas terras inexploradas.
é uma terra inexpressiva, ébria - não nasce, evolui ou morre, existe, simplesmente, na mais forma e pura situação do existir. o vento nunca move as árvores, o frio nunca gela a água, o sol nunca queima as secas ervas, as pessoas não esboçam sorrisos nas mais simples coisas.
mas pelos corredores cimentados da selva urbana, longe da prisão dos carris, o mundo é infinito, os cheiros eternos, os sorrisos inexistentes e contínuos.
a iluminação falha, raras as vezes em que o motor de um carro se aproxima na distância, separado por metros de betão.

o fumo eleva-se no ar, a lama seca com a lua nas rochas nuas. e não estão velhos sentados nelas, ou homens de negócios, nem sequer pescadores ou qualquer outra personagem com uma barba grisalha, um cigarro e textos filosóficos a fluírem-lhe pelas veias, sem one-liners memoráveis que nos farão voltar.
as rochas estão nuas, iluminadas apenas pelas luzes desfocadas que brilham ao longe, pelas bóias de sinalização da ponte, pelos aleatórios suspiros na lama de algum peixe a lutar por si mesmo.
os barcos; decrépitos, como sempre. a tinta cai-lhes como se de uma baixa casa das ruelas escuras se tratasse, de onde pingam spray e cal. os parques, repletos de cabelos penteados da maneira certa e de acordes aprendidos na internet, de navalhas afiadas e sangue frio.
as bandas, repletas de distorção e de cerveja, voam cinzas que curam, extensões de petróleo até onde a vista alcança: será a arrábida ao sul ou as luzes de lisboa ao norte, risos na cidade que é nossa, nas ruas que nem nós conhecemos.
não é melancolia ou frieza, ou sequer realismo. é um espaço que as palavras não enchem, que os sentidos não vêm - são ruas amenas e desertas, do silêncio das estrelas e das nuvens, de ter a sociedade evoluída no horizonte e de não querer lá estar; mas sim em casa; nos parques de folhas mortas e de livros espalhados, de bancos verdes em metal vivo ocupados por velhinhos, pescadores de barba grisalha e pirisca ao canto dos lábios, segurando um romance de bolso ou um volume de Nietzsche, quem sabe.

há quem coma demasiado alcatrão, ou beba demasiado café; ou quiçá tenha tido a sua dose de chuva e sol, de pneus furados e de árvores mortas, de beijos arrependidos ou de beijos intencionais, rochas nuas à beira mar, túneis sombrios, torres cinzentas no horizonte, avenidas sem fim, gritos a cada esquina.
e os carris a ninguém perdoam, na verdadeira alegoria da palavra, a sonolência da viagem, o silêncio da carruagem. pastas e gravatas, fatos engomados e meias de rede, maquilhagem em olhos cansados, estafados das mesmas janelas empoeiradas por onde o vento passa, gélido e cortante, na paz de uma janela nublada ou de uma noite sem estrelas.
de olhos cerrados não surgem realidades ou sonhos, não dormimos ou vemos, os sentidos distantes - construímos castelos, vivemos nos castelos, reis do que oxalá seria a realidade das palavras que fluem, da tinta que a caneta espirra, dos números que o visor da calculadora nos mostra, mas depressa nos apercebemos que todos os sentidos são infinitos, que todas as palavras não passam de buracos negros no brilhante fundo branco, um vinil de ínfimos montes e vales, flores e cidades, nuvens e rios, pontes e cidades, estradas, viadutos, linhas, castelos. desabamos castelos.
e nas ruínas estarão sempre os carris, o vidro húmido, as palmas que ao longe tocam uma cidade que acorda mas que não vive, uma cidade que fuma e bebe;
mas não morre.
e para longe vão os carris, para onde eu não quero ir.

1 comentários:

Anónimo disse...

aprecio os teus textos, joão!

 

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