espelhos.

. domingo, 21 de novembro de 2010

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e por entre dois arbustos espreitavam olhos curiosos, olhos penetrantes; reflectidos por entre as negras lentas dos óculos, já velhos, fitavam cada vez mais atentamente.
pelas aberturas das nuvens voavam gaivotas, pelas rochas trepavam chinelos não muito ágeis.
baixou os óculos, acendeu um cigarro suavemente.
as gaivotas voavam, o mar oscilava, o sol longe do olho da tormenta, invisível.
-lembro-me como se de hoje se tratasse.
sorriu. não um sorriso vitorioso, ou nostálgico. melancólico seria demasiado comprometido, apático seria demasiado frio.

e de facto lembrava-se.
não teria de se sentar, não teria de cofiar a barba em busca de apimentar a narrativa, não teria de fitar o negro dos óculos do desconhecido, o brilho do seu cigarro.
estaria a anoitecer, ou a amanhecer; estariam nuvens ou sol, o vento era quente, as rochas frias, as palmeiras murchas.
e a figura dos óculos apagou o cigarro, levantou-se da ferrugenta mesa. o seu copo vazio.
-um excelente gosto.
e fitou, interminavelmente.

mirou o seu reflexo na água, estava calma, estava azul. a figura de óculos movia-se, fitou os olhos que sempre o fitaram.
representavam uma vida, uma morte, um significado, representavam pedras.
e com pedras se construíam monumentos, com pedras se construíam sonhos, com pedras se construíam realidade, e com pedras ia o Homem à lua.
e via isso naqueles olhos verdes. ou castanhos. ou azuis. os óculos pendiam agora na mão direita; sem protecções.

e na imensidão do espaço, na solidão do momento, no silêncio do mar e das gaivotas, os olhos penetravam-no, sorriam e choravam.
sim, lembrava-se tal como se fosse hoje.
lembro-me como se de hoje se tratasse.
eram brilhantes, eram frias, esvoaçantes, o verde e o amarelo, a estrada e o sol, a noite; o exílio. um oásis no deserto.
o piano ecoava em ambos, a vegetação à borda da estrada, os pedaços de esperança morta antes de nascer. mas não eram lágrimas, eram sorrisos.
talvez fossem na altura, mas na solidão daqueles olhos, os seus olhos, não podia arriscar-se mais longe, não podia fugir ou render-se, atacar ou ser atacado.
tudo o que podia fazer era sorrir, e aproximar-se.
da íris, das pupilas.
quando se constroem torres, quando se sonha tocar no céu, quando voa pelo céu;
ainda há demasiadas pedras.
ainda há demasiada gravidade.
e as pupilas são pequenas demais para caber lá, a íris demasiado grande para não lá cair. e da queda vem a incerteza, vem a morte, vem a vida.
ambos sorriram, na certeza do momento, na incerteza do próximo.

segurava os óculos, cofiava a barba, o poente de uma tarde ou o nascer de um dia reflectidos nos seus olhos profundos, vivos.
solidão, silêncio. sozinho.

não fazia a mínima ideia do que tudo aquilo significava.
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